Kachipepe
É avilo!!! Em Luanda agora é assim: as pessoas se produzem todas pra ir a um funeral, como se à uma festa de gala se tratasse.
Se antes o branco e preto eram as cores pra actos fúnebres, agora, as damas bazam até de vermelho, rosa, amarelo, laranja, quer dize, só as cores “mais cheguei”, pra chamar mesmo a atenção.
Na verdade, os óbitos se transformaram em locais predilectos para desenvolver uma paquera, na ausência de locais públicos de lazer que proporcionam encontros, afinal, quem não tem cão nem gato, caça mesmo com reto.
Há quem diga que as damas vão só pra ver os Boss´s da família. Ficam de olho bem aberto pra marcar qual é o tio que dá mais cumbo.depois jogam todo seu charme pra cima do kota não importando se casado, solteiro ou viúvo. Já os homens, parece que são mais discretos: bazão nesses eventos pra beber de graça, consentir uma paquera, ninguém é de ferro, e, claro, pitar um coxe, afinal, de graça, bar aberto, boca-livre, não faz mal a ninguém.
Os óbitos há muito que deixaram de ser cerimônias nostálgicas em que os parentes e amigos se encontram para consolar quem perdeu um ente. As Mulalas das kotas deram lugar ao desfile de moda e posses.
Tas a ver aquela expressão “ ché quez dá caldo”? Já esta ultrapassada. A canjica e o caldo foram superado pelos Mufetes, Muambas, Bolos, Doces diversos, Rissós, Tortas e Pudins a maneira. Da Kissangua, coitada, já nem se fala mais, nem nos circulos mais conservadores das famílias, de vez enquanto, aparece nas praças e paragens de candongueiro, mas com novo nome pra disfarçar: “Sumol em Saco”. Nada de coisa de pobres (kissangua) nos óbitos a onda agora é Cuca, Sagres, Castle, Carlsbrg, Coca-Cola e associadas, Sumol até a forasteira Kiss ou então a Blue, por que as Youk´s sumiram do mapa. Quer dizer, até aquelas cotas que duziam os piteus dos óbitos naquelas panelas bue gudas também estão desempregadas; foram substituídas pela contratação dos serviços de Bufft´s.
Óbito na cidade da Kianda é festa grande. Já há quem prefira patar nos kombas do que ir nos casamentos. Pelo menos, nos óbitos não olham nas caras nem querem saber se é parente do noivo ou da noiva pra te servirem. Só falta mesmo contratar DJ´s pra animar o bo... digo o óbito, com músicas da igreja, já que os kuduristas já fazem questão de cantar daquele jeito ne.
Nesses encontros não podia faltar a turma dos BUFUS, aqueles que definem a qualidade dos óbitos, segundo critérios já bem definidos: Adesão de pessoas famosas, número de carros, que inclui os da moda, último grito, os que mais choram, quem desmaia mais, a quantidade e qualidade do piteu e bebida etc. quem não consegue um óbito nestes moldes é logo taxado de “JIMBA DIAFU”, “DIBINZERO”.
Éh... meu morrer na Nguimbe não é negócio pra qualquer um.
E não para por aí, o que dá mais pontos é o lugar onde será o enterro. Tem que ser ALTO DAS CRUZES ou SANTA ANA porque o resto é mesmo resto. O óbito pode ter tudo, mas se o funeral não for nesses lugares perde todos os pontos.
Diante disso, começa um novo dilema já que conseguir espaço nestes cemitérios não é coisa fácil e carece de “cunha forte”, mas também, 14 ou Camama não são cemitério pra Vip´s - tipo não vão ser comidos também pelos salales. Então o defunto chega mesmo a ficar uma semana ou mais a espera que se decida sobre seu próximo endereço.
Mas nem tudo mudou, ainda se vê aquelas kotas que sempre exageram na hora de exprimir sua tristeza. Aquelas kotas que vão chorar no Kinaxixi, quando o óbito é no Marçal, pra depois reclamar dos rins – “aié miongoééé”. Ainda é a oportunidade ímpar pra ver todos os parentes, onde os que menos choram são as vítimas, quando se procura um culpado pela morte: “EIE U MULOGI”. Ele é o feiticeiro vês que nem chora. Eu já sabia.
Os vizinhos da rua toda, continuam com aquele mau e velho hábito de faltar ao serviço durante um mês sob pretexto de óbito na casa do vizinho que em vida se quer cumprimentava.
O atestado de óbito é entregue no regresso do funeral. Um parente faz já bué de cópias e vai entregando... quer dizer se um gajo não quiser trabalhar, é só procurar uns obitozinhos aqui e acolá, pegar uns comprovantes e prontos. Se o sobrenome do defunto coincidir então ai estarás feito, ninguém questionará nada e terá as faltas justificadas no serviço. Produção que é bom nada.
Isto é caso pra dizer: ONDE ESTAMOS E PRA ONDE VAMOS!!!
N.B: Essa crônica foi escrita em agosto do 2004. Foi publicada em diversos veículos e até musicada. Ela continua muito eloqüente e atual.